“Todos os povos civilizados investigam as suas origens e amam a sua história. Há uma força instintiva que atrai o homem à terra natal, seja ela uma simples aldeia perdida nos vales profundos, nas serras majestosas e altaneiras, ou nas grandes cidades embaladas pelas ondas do mar, onde os requintes do conforto seduzem os ricos e poderosos do mundo”. Artur Monteiro do Couto
Porque é que a construção da barragem de Foz Tua deve interessar a um lisboeta ou um algarvio? Porque esta, mais as outras barragens e os parques eólicos vão levar Portugal a ter a eletricidade mais cara do mundo em poucos anos. Uma plataforma de ONGA fez as contas e o Plano Nacional de Barragens vai custar ao Estado 16 mil milhões de euros, entre juros bancários, subsídios e pagamento de obras. Também são números, os de um crescimento insustentável, que justificam a destruição da Linha do Tua.
A Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro faz, no próximo dia 23 de Setembro, a bonita idade de 106º anos! A comemoração realizár-se-a neste mesmo dia (sexta-feira), e o programa é o seguinte:
15h - Inauguração da exposição da Pintora Graça Morais "Tempo de Cerejas e Papoilas. Trás-os-Montes 2011" na Galeria Ratton (Rua Academia das Ciências 2ºC)
17h - Missa na Igreja Conventual das Franciscanas Missionárias de Maria (Rua Chaby Pinheiro, nº 12 - ao Campo Pequeno)
18h14 - Sessão solene: homenagem à pintora Graça Morais com a intervenção do Prof. Adriano Moreira. Durante a sessão, serão ainda homenageados os sócios com 50 e 25 anos de aassociados da Casa. Esta sessão decorrerá na CTMAD.
20h30 - Jantar de aniversário e confraternização na Ordem dos Engenheiros (Av. António Augusto de Aguiar, nº 3 D - junto ao Hotel Eduardo VII). Preço 25,00€. Data Limite para inscrições: 16 de Setembro de 2011 (obrigatóriamente acompanhadas pelo pagamento sem o qual não serão consideradas)
Para qualquer informação contactar a Sede da CTMAD pelo nº 217939311 ou pelo e-mail ctmad.lisboa@gmail.com.
Excerto do programa Terra a Terra, da TSF, emitido a 16 de abril 2011, a partir da Feira do Folar de Valpaços, com divulgação do Acto (Auto da Paixão) de Vilarandelo.
Com protestos dos ambientalistas que reclamam pelo facto de 16 quilómetros de linha ficarem submersos, a EDP vai iniciar a empreitada de construção da barragem de Foz Tua, adjudicada ao agrupamento de empresas Mota-Engil/Somague/MSF.
A empreitada envolve um investimento de 305 milhões de euros, contribuindo para a criação de 4.000 postos de trabalho, 1.000 dos quais directos, ao longo dos próximos cinco anos. Foz Tua começará a produzir energia em 2015.
A construção situa-se no troço inferior do rio Tua, próximo da foz próximo do rio Douro, afectando os concelhos de Murça e Alijó, (distrito de Vila Rea), e os concelhos de Mirandela, Vila Flor e Carrazeda de Ansiães, (distrito de Bragança).
A central hidroeléctrica terá uma potência instalada de 251 megawatts (MW). O empreendimento vai acabar com a linha do Tua, entre a barragem e a estação de Brunheda.
VALE DO TUA - Universo virginal de um Reino Maravilhoso
De acordo com o Anúncio nº10853/2010, publicado no Diário da República 2ª série do dia 11 de Novembro, o processo de classificação da linha do Tua como património de interesse nacional foi arquivado, com base num parecer da Secção do Património Arquitectónico e Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura. Desconhece-se a fundamentação do parecer. Presume-se, no entanto, que os senhores conselheiros nunca visitaram a região, pois se a tivessem visitado, enxergariam que este “excesso de natureza”* além de ser do interesse nacional, satisfaz em simultâneos vários dos critérios necessários para a classificação como património da humanidade, e não seria de esperar outra coisa, visto que a linha do Tua desagua na linha do Douro, a escassas centenas de metros do local onde se prevê construir a barragem do Tua, numa área, classificada há mais de 10 anos pela UNESCO, justamente, como Património da Humanidade.
Douro e Tua irmanam-se numa mesma realidade desmesurada, na solenidade da paisagem, num “nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir a céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição”, nos costumes, nas crenças, no clima, na rudeza e integridade das gentes. O homem que desbravou os socalcos do Douro é o mesmo que, calço a calço, susteve nesgas de terra, onde estacas de oliveira medram e alumiam a sua árdua existência, cavou os cantos onde laranjeiras perfumam a primavera, construiu uma geia donde brota o néctar que aqui também é vinho fino; é o mesmo que, corajosamente, palmo a palmo, metro a metro rasgou precipícios, transpôs abismos e furou penedos para construir os túneis e assentar os carris que o haviam de ligar ao progresso; é o mesmo que, destemidamente, lavrou um sulco ondulante num despenhadeiro de pedras e laijões, discreta e genuína obra de engenharia, perfeitamente integrada naquele “universo virginal”, naquela “paisagem robusta solene e profunda”, obra conjunta do homem e da natureza, que Miguel Torga sublimemente pintou. Aqui, porém, o degredo é ainda mais espinhoso que no Douro: os murtórios são fragas a pique onde nem as cabras se equilibram, o xisto é granito rude e duro e o rio, selvagem, ainda “corre magoado de cachão em cachão” num zoar permanente que, no Inverno é medonho, mesmo para os mais afoitos.
O vale do Tua, lugar em que homem e natureza se confundem, desde tempos ancestrais, é manifestamente um sítio de beleza natural e estética de excepcional importância, em que a forma genial e harmoniosa como a linha férrea foi integrada na paisagem ilustra a significativa importância que, embora tardiamente, a máquina a vapor e o comboio tiveram na história social e económica de Tras-os-Montes, na metade inicial do século XX. É um sítio em que as pedras evocam memórias longínquas, ainda intactas, de rituais pré-históricos, de povoados visigóticos, mouras encantadas, romanos diligentes e cristãos destemidos.
Por estas e por outras razões, os senhores conselheiros deveriam conhecer ou pelo menos, indagar no local aquilo que importaria conhecer para, serena e sabiamente emitirem o seu douto parecer. Se se tivessem dado ao deleite de visitar este vale e as suas gentes, seguramente, aconchegariam o corpo e a alma e enriqueceriam o ego de sabedorias ancestrais, que é coisa que os senhores conselheiros muito prezam. Mas ainda o podem fazer, depressa, antes que a barragem lhes troque as voltas e lhes aniquile este “universo virginal”. Batam à porta deste “reino maravilhoso” em S. Mamede de Ribatua, saboreiem um naco de bola de carne, acompanhada com as suas afamadas laranjas – de manhã são ouro – visitem o pelourinho e saiam pela ponte romana, contemplem a imponência da paisagem na Penadaia, em que rio, linha e fragas são, ao mesmo tempo, inferno purgatório e paraíso, visitem o caixão dos mouros, os castelos de Safres e dos Barcos, na ténue linha que separava a fronteira entre cristãos e mouros, desçam ao Amieiro, um presépio de casas, oliveiras, laranjeiras e sobreirais, comam e um doce de figos em Carlão, onde nas fragas estão impressos lagares do tempo dos romanos. Depois, atravessem o rio, deliciem-se com um copo de vinho fino, nas margens bucólicas de Brunheda, regenerem o corpo com um banho nas termas de S. Lourenço, deleitem-se com uma alheira estaladiça no Pombal, que é lugar de vinho de primeira e desçam a linha até ao Tua. Apreciem as obras de arte da engenharia oitocentista – viadutos, túneis e muros, suspensos no abismo das fragas más e, mesmo que não tenham a sorte de poderem admirar uma lontra, mirem as nasseiras, onde, antes das barragens do Douro, se apanhavam lampreias, imaginem o gemido das mós, nos moinhos abandonados, inebriem-se com o perfume de carquejas, bela luzes, alecrins e rosmanos que, “como manjericos à janela”, prodigiosamente, brotam de fragas, aparentemente estéreis, e contemplem a majestade dos sobreiros centenários, que, nesta fortaleza de pedras, guardam a linha e o rio. Se tiverem tempo relancem os olhos pelas encostas e, encarrapitados nos abismos descubram antigos armazéns de vinho, abandonados, ainda com lagariça, peso e restos da rabadeira onde encastrava a trave da prensa. Chegados ao Tua, como recompensa, um pratinho de peixes do rio, com pão de Favaios e vinho da Ameda e, claro, mais um cálice de vinho fino, daquele que no estrangeiro apelidam de vinho do Porto, mas que tem berço neste “reino maravilhoso”, prosa de Miguel Torga, de leitura recomendada aos senhores conselheiros.
Por fim, passem pelos adros das igrejas, no fim da missa, e falem, mas, sobretudo, ouçam, ouçam as gentes da terra e então verão que ainda há reinos maravilhosos que merecem ser estudados, conhecidos, acarinhado e preservados: “O que é preciso, para os ver é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração depois não hesite.”
Depois, sim, elaborem o vosso douto parecer.
Texto: João Zimbreiro, com a ajuda de Miguel Torga